terça-feira, 4 de setembro de 2007

Antigos, modernos e o anacronismo na história

Esta semana estou em São Paulo, acompanhando o seminário Antigos e modernos: diálogos sobre a (escrita da) história. Estamos apenas no terceiro dia (de um total de seis) do seminário, mas já assisti conferências que fizeram a viagem valer a pena.

Já no primeiro dia, o professor Pascal Payen fez uma sensacional exposição abordando a historiografia oitocentista sobre a época helenística a partir da noção de conquista.

Em primeiro lugar, ele examinou a historiografia antiga sobre as conquistas militares. E apresentou uma análise instigante de Heródoto sob o ponto de vista da dicotomia conquistador / conquistados. Segundo ele, o interesse de Heródoto se detém sempre nos conquistados, sejam eles gregos ou bárbaros. Eu sempre li análises e, conseqüentemente, imaginei e entendi a História do ponto de vista da polarização grego / bárbaro. Evidentemente, essa classificação tradicional faz parte da aparelhagem mental do "pai da História", mas o próprio Heródoto fez questão de marcar e anunciar o abandono dessa dicotomia em seu primeiro parágrafo: "para que os feitos, tanto dos helenos quanto dos bárbaros, não fiquem sem glória". A possibilidade de leitura feita pelo professor Payen abre horizontes interessantes para pensar a obra de Heródoto e a historiografia do mundo antigo.

Depois, na parte principal de sua conferência, Payen mostrou como Droysen, Grote e outros menos conhecidos (pelo menos por mim) examinaram e discutiram as conquistas de Alexandre do ponto de vista de suas próprias preocupações, nomeadamente, a unificação pela conquista prussiana com as conseqüentes possibilidades de desenvolvimento do Estado nacional alemão (Droysen) e a questão do império britânico na Índia (Grote). Ao mesmo tempo, examinou como a historiografia contemporânea ainda é devedora da idéia de Droysen de que a época helenística não foi uma decadência, mas sim um florescimento do helenismo em um novo contexto.

No final, respondendo às indagações do público, o professor Payen fez um vigoroso elogio do artigo de Nicole Loraux sobre o anacronismo (presente na coletânea Tempo e história, da Cia. das Letras). Como Droysen e Grotte fizeram no século XIX, por ser ele mesmo um ser histórico, "o historiador só pode colocar ao passado questões do presente". Depois, de posse das respostas encontradas no passado, o historiador pode questionar seu presente com as respostas obtidas no passado. Com isso, "o anacronismo não é algo que se deve fugir, mas uma fonte de riqueza para o historiador".

(editada e ampliada em 5/9/2007)

Um comentário:

Juliano Pirajá disse...

Olá,
Estamos por aqui aprendendo com os mestres. Vale ressaltar que Pascal Payen apresentou uma excelente possibilidade de leitura para a historiografia antiga. Relações infindáveis que continuam permitindo o diálogo entre antigos e modernos.