terça-feira, 24 de julho de 2007

Pra que serve a história?

Escândalo na Bélgica! No último sábado, 21 de julho, feriado nacional, um repórter perguntou ao próximo primeiro-ministro do país, Yves Leterme, se ele sabia o hino nacional. "É claro", respondeu o político, e imediatamente começou a cantar a Marselhesa, hino nacional da França. Para completar a gafe, perguntaram-lhe o que se comemorava no dia 21 de julho e ele respondeu que era a "proclamação da Constituição". Não era (vocês podem ver a reportagem da BBC Brasil ou então o vídeo do PM cantando no YouTube).

Oh! Que horror! Um primeiro-ministro que não sabe a história do país. Pois é, mas ao invés de me escandalizar, eu fico pensando: por que um político tem que saber história? Aliás, pra que serve a história?

Luciano, autor do único manual de historiografia da Antigüidade, respondeu, citando Tucídides: "a utilidade é o fim da história, de modo que, se alguma vez, de novo, acontecerem coisas semelhantes, poder-se-á, consultando-se o que foi escrito antes, agir bem em relação às circunstâncias que se encontram diante de nós." Seja política (Tucídides, Luciano), seja moralmente (Plutarco, Cícero), a história era a educadora do futuro, a "mestra da vida".

Mas, entre os séculos XVI e XVIII, a idéia do futuro como uma repetição modificada do passado foi abalada. Nada do que ocorrera antes permitira prever acontecimentos como a Reforma ou a Revolução Francesa (para saber mais sobre esse processo, ver o sensacional livro de Reinhart Koselleck, Futuro passado, finalmente lançado no Brasil). Foi Alexis de Tocqueville quem melhor sintetizou essa época de incertezas ao afirmar: "desde que o passado deixou de lançar luz sobre o futuro, o espírito humano erra nas trevas."

Se a Revolução Francesa derrubou o rei, coroou em seu lugar a nação. E, com isso, o século XIX encontrou uma nova finalidade para a história. A história era a ciência que permitia 'provar' a nação. Milhares de historiadores se debruçaram sobre documentos antigos tentando decifrar as origens de suas nações e, conseqüentemente, demonstrar sua eternidade. Para Michelet, a função da história era "esclarecer o sentido dos ancestrais desaparecidos".

Só que o nacionalismo foi aniquilado pela Segunda Guerra Mundial. O pós-guerra se voltou para as ideologias e, mesmo quando as nações voltaram à tona depois da queda do muro de Berlim, a história já não tinha mais a mesma importância. Hoje sabemos que a nação é uma construção narrativa e a história, longe de sacramentá-la, é usada como arma para derrubar a idéia romântica de uma essência nacional. Mutilada de sua função política e atacada pelo flanco epistemológico, a história entrou em crise.

Então, voltamos à pergunta inicial, pra que serve a história hoje? Por que falar mal de um político que não conhece história? O futuro primeiro-ministro não sabia o que se comemora na Bélgica no dia 21 de julho, mas, pergunto: alguém sabe? De acordo com uma pesquisa de opinião citada pelo canal RTBF, apenas um em cada cinco belgas sabe (21 de julho de 1831 foi a data da coroação do primeiro rei da Bélgica, Leopoldo I). Pra mim, é evidente que se a utilidade era a função da história para Tucídides, hoje é muito mais útil saber economia, direito, ciência política, relações internacionais...

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