segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Do positivismo aos Annales, o breve momento em que a história foi ciência

Este texto está praticamente pronto há dias e nunca consigo terminá-lo direito e publicá-lo. Aqui vai, ainda em uma versão não muito 'polida', mas, espero, legível e compreensível. Rezemos para que os próximos textos não tenham uma gestação tão demorada quanto esse :0)

"O século XIX foi a belle époque da história: aquela da história considerada como uma ciência. E não apenas uma ciência entre as outras, mas, ao lado da psicologia, uma das ciências fundamentais do espírito. Pois todas as outras se ocupavam de suas produções: da linguagem, das literaturas, das religiões, das mitologias, da arte; não eram mais que histórias particulares."

Essa época descrita pelo historiador polonês Krzysztof Pomian chegou ao fim em 1929, com a fundação da hoje famosa revista Annales d’histoire économique et sociale, dirigida pelos professores da Universidade de Estrasburgo Marc Bloch e Lucien Febvre. Formados na época do impacto da corrente sociológica de Émile Durkheim e afastados dos principais centros de pesquisa histórica na França, os historiadores dos Annales dirigiram sérias críticas a seus antecessores 'positivistas': estreiteza de visão, ingenuidade epistemológica, concentração em eventos individuais e na história política, cuja única lógica explicativa é a da narração - o que aconteceu antes explica o que aconteceu depois. Nas palavras de Lucien Febvre:

"Abro a História da Rússia [de Charles Seignobos]: tsares grotescos, tragédias palacianas, ministros corruptos, burocratas aduladores, decisões arbitrárias à vontade. Mas a vida forte, original, profunda desse país, a vida da floresta e da estepe, o fluxo e o refluxo dos movimentos populacionais, [...] sobre tudo isso, que se mostra diante de mim sob a forma de pontos de interrogação, sobre tudo isso que para mim é a história mesma da Rússia, quase nada encontro nessas 1400 páginas. A história é aquilo que não encontro nessa História da Rússia..."

Mas a tão falada ruptura entre o 'positivismo' e a 'escola dos Annales' não é tão brusca assim: a história muda de rumo, mas continua sendo científica. Os annalistes, ao mesmo tempo em que rejeitam a "ciência estéril dos fatos" dos positivistas, aprovam com ardor a idéia de ciência social. E, não se pode deixar de lembrar, Marc Bloch apontou A cidade antiga, de Fustel de Coulanges, um positivista que comparava a história com a química e a geologia em seus escritos, como a obra fundadora da história social.

Esse parêntese científico parece ter se fechado. Lembro-me que, quando iniciei minha graduação, a grande discussão teórica do momento ainda voltava-se para essa questão: é a história uma ciência? Estávamos atrasados. Em um artigo de 1953, Hans-Georg Gadamer já havia afirmado que as 'ciências do espírito' estavam mais próximas "da intuição do artista" do que do "espírito metodológico da investigação". Hoje, a 'virada lingüística' e a história cultural parecem ter completado o processo e varrido a 'ciência da história' para o passado. Embora o termo ainda apareça aqui e ali (por exemplo, no artigo do prof. Norberto Luiz Guarinello, da USP, na Revista Brasileira de história há apenas 3 anos), a história hoje parece ter voltado a ser o que era para Cícero e Diderot, "a narração dos fatos verdadeiros", ou, para usar as palavras de Paul Veyne, "apenas um romance real".